20 de dezembro de 2006

Ferrador há 50 anos

A profissão de ferrador, pelo menos nos moldes antigos, está em vias de extinção. Aos 61 anos, José Vicente Rodrigues trabalha na arte de ferrar desde os onze anos. Daí também ser conhecido pela alcunha de “Perna atrás”, epíteto que herdou do avô.

“Quem não gosta do que faz nunca pode ser um bom ferrador”. Quem o diz é José Vicente Rodrigues que ainda era um gaiato e já se tinha estreado na arte de ferrar. Aprendeu o ofício assim que fez a 4.ª classe e nunca quis fazer outra coisa na vida.
Natural de Casével, uma freguesia do concelho de Santarém, José Rodrigues herdou do avô e do pai a profissão na qual tem orgulho de trabalhar há mais de cinco décadas. Foi o pai que o iniciou nesta arte familiar.
De dois em dois meses, este ferrador desloca-se da sua terra a uma quinta dos arredores de Tomar para mudar o calçado aos animais que conhece como a palma das suas mãos.
Homem simpático e humilde, José Rodrigues ainda se lembra de ferrar bois, um trabalho que deixou de fazer quando deixaram de existir juntas de bois para os lados onde vivia. O ferrador recorda que era mais fácil por ferraduras nos bovinos (canelos) do que nos equídeos, trabalho a que actualmente se dedica a fazer um pouco pelas coudelarias e cavalariças da região: “Os cavalos tem um comportamento diferente… dão mais trabalho. Nenhum ferrador deve começar a ferrar um cavalo sem falar primeiro com ele”, explicou.
Criada a empatia com o animal, o movimento seguinte passa por olhar para as patas do cavalo e inteirar-se quer da forma quer do desgaste da ferradura. Antes de colocar a nova ferradura é necessário fazer o aprumo do casco (taipa) do animal para quer o trabalho seja feito como deve ser. “A taipa é como as nossas unhas. Como crescem têm que ser cortadas”, explica com conhecimento de causa.
José Rodrigues sabe do que fala uma vez que conhece todos os ossos e as cartilagens que formam as extremidades das patas dos cavalos. Só depois avança no trabalho, malhando as ferraduras com a ajuda de um martelo numa pesada bigorna de ferro, à maneira antiga. Com o brio profissional de que se orgulha, José Rodrigues dá às ferraduras as inclinações apropriadas para o cavalo que vai “calçar”. Segundo o profissional a ferradura deve ser ligeiramente arqueada tanto de trás para a frente como lateralmente para o cavalo poder ter um andar correcto e não começar a coxear.
Actualmente, já não são os cavalos que se deslocam até ao ferrador mas sim o ferrador que se desloca à cavalariça, a pedido dos proprietários dos belos animais. De dois em dois meses, no máximo dois meses e meio, os animais têm de ser ferrados de novo pelo que é com esta regularidade que se desloca aos seus clientes.

Avental em cabedal, como manda a tradição

Para o efeito, José Rodrigues transporta todo o estojo de trabalho que é necessário instalando a sua oficina numa carrinha de caixa aberta. O ferrador continua a utilizar as ferramentas de sempre – e que não se modificaram muito ao longo do tempo - as turqueses para tirar os pregos(cravos) e as grosas para desbastar o casco, as facas curvas e os martelos, os cravos e as ferraduras, a bigorna e o cepo. José Rodrigues faz ainda questão de usar, enquanto trabalha, o avental de ferrador em cabedal tal como manda a tradição.
Quando começou a trabalhar, levava 20 escudos para ferrar um cavalo. Agora, e passados, 50 anos, o trabalho de ferrar um cavalo custa cerca de 55 euros (mais IVA), preço que inclui a viagem de deslocação por isso quando José Rodrigues se desloca para fazer um trabalho tem, normalmente, à sua espera cerca de quatro ou cinco cavalos. “Não compensa andar uma série de quilómetros só para ferrar um cavalo… Tem que haver mais animais, mas um bom ferrador não consegue ferrar mais de quatro ou cinco cavalos por dia”, explica.
Em relação ao tempo que demora a ferrar cada cavalo, o nosso interlocutor refere que o mesmo depende da personalidade do animal: “Se o cavalo colaborar demora cerca de hora e meia mas pode demorar duas horas e mais se não estiver com vontade”.
Os cavalos são ferrados por volta dos três anos e meio, quando começam a ser desbastados e mudam de ferraduras entre cinco a seis vezes por ano. José Rodrigues já perdeu a conta ao número de ferraduras que mudou, porque afinal, atrás de si já dedicou cinco séculos de vida a “calçar” os cavalos. E enquanto tiver saúde garante que vai continuar a fazer o que mais gosta e sabe.

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