29 de dezembro de 2006

21 de dezembro de 2006

20 de dezembro de 2006

Ferrador há 50 anos

A profissão de ferrador, pelo menos nos moldes antigos, está em vias de extinção. Aos 61 anos, José Vicente Rodrigues trabalha na arte de ferrar desde os onze anos. Daí também ser conhecido pela alcunha de “Perna atrás”, epíteto que herdou do avô.

“Quem não gosta do que faz nunca pode ser um bom ferrador”. Quem o diz é José Vicente Rodrigues que ainda era um gaiato e já se tinha estreado na arte de ferrar. Aprendeu o ofício assim que fez a 4.ª classe e nunca quis fazer outra coisa na vida.
Natural de Casével, uma freguesia do concelho de Santarém, José Rodrigues herdou do avô e do pai a profissão na qual tem orgulho de trabalhar há mais de cinco décadas. Foi o pai que o iniciou nesta arte familiar.
De dois em dois meses, este ferrador desloca-se da sua terra a uma quinta dos arredores de Tomar para mudar o calçado aos animais que conhece como a palma das suas mãos.
Homem simpático e humilde, José Rodrigues ainda se lembra de ferrar bois, um trabalho que deixou de fazer quando deixaram de existir juntas de bois para os lados onde vivia. O ferrador recorda que era mais fácil por ferraduras nos bovinos (canelos) do que nos equídeos, trabalho a que actualmente se dedica a fazer um pouco pelas coudelarias e cavalariças da região: “Os cavalos tem um comportamento diferente… dão mais trabalho. Nenhum ferrador deve começar a ferrar um cavalo sem falar primeiro com ele”, explicou.
Criada a empatia com o animal, o movimento seguinte passa por olhar para as patas do cavalo e inteirar-se quer da forma quer do desgaste da ferradura. Antes de colocar a nova ferradura é necessário fazer o aprumo do casco (taipa) do animal para quer o trabalho seja feito como deve ser. “A taipa é como as nossas unhas. Como crescem têm que ser cortadas”, explica com conhecimento de causa.
José Rodrigues sabe do que fala uma vez que conhece todos os ossos e as cartilagens que formam as extremidades das patas dos cavalos. Só depois avança no trabalho, malhando as ferraduras com a ajuda de um martelo numa pesada bigorna de ferro, à maneira antiga. Com o brio profissional de que se orgulha, José Rodrigues dá às ferraduras as inclinações apropriadas para o cavalo que vai “calçar”. Segundo o profissional a ferradura deve ser ligeiramente arqueada tanto de trás para a frente como lateralmente para o cavalo poder ter um andar correcto e não começar a coxear.
Actualmente, já não são os cavalos que se deslocam até ao ferrador mas sim o ferrador que se desloca à cavalariça, a pedido dos proprietários dos belos animais. De dois em dois meses, no máximo dois meses e meio, os animais têm de ser ferrados de novo pelo que é com esta regularidade que se desloca aos seus clientes.

Avental em cabedal, como manda a tradição

Para o efeito, José Rodrigues transporta todo o estojo de trabalho que é necessário instalando a sua oficina numa carrinha de caixa aberta. O ferrador continua a utilizar as ferramentas de sempre – e que não se modificaram muito ao longo do tempo - as turqueses para tirar os pregos(cravos) e as grosas para desbastar o casco, as facas curvas e os martelos, os cravos e as ferraduras, a bigorna e o cepo. José Rodrigues faz ainda questão de usar, enquanto trabalha, o avental de ferrador em cabedal tal como manda a tradição.
Quando começou a trabalhar, levava 20 escudos para ferrar um cavalo. Agora, e passados, 50 anos, o trabalho de ferrar um cavalo custa cerca de 55 euros (mais IVA), preço que inclui a viagem de deslocação por isso quando José Rodrigues se desloca para fazer um trabalho tem, normalmente, à sua espera cerca de quatro ou cinco cavalos. “Não compensa andar uma série de quilómetros só para ferrar um cavalo… Tem que haver mais animais, mas um bom ferrador não consegue ferrar mais de quatro ou cinco cavalos por dia”, explica.
Em relação ao tempo que demora a ferrar cada cavalo, o nosso interlocutor refere que o mesmo depende da personalidade do animal: “Se o cavalo colaborar demora cerca de hora e meia mas pode demorar duas horas e mais se não estiver com vontade”.
Os cavalos são ferrados por volta dos três anos e meio, quando começam a ser desbastados e mudam de ferraduras entre cinco a seis vezes por ano. José Rodrigues já perdeu a conta ao número de ferraduras que mudou, porque afinal, atrás de si já dedicou cinco séculos de vida a “calçar” os cavalos. E enquanto tiver saúde garante que vai continuar a fazer o que mais gosta e sabe.

14 de dezembro de 2006

História de um coveiro de Tomar já foi milionário

Em 1996 Carlos Manuel Ferreira Simões, coveiro municipal, fez um seis no totoloto. Passados dez anos “O Templário” quis saber o que aconteceu ao tomarense que um dia já foi milionário: gastou quase toda a fortuna na construção de uma vivenda e continuou a trabalhar como coveiro.

Fomos encontrá-lo no cemitério de Marmelais, onde trabalha há 20 anos. Combinado o trabalho para dali a dois dias, Carlos Simões, 41 anos, aceitou falar sobre o dia em que viu a sua vida mudar: 5 de Fevereiro de 1996. Tinha 31 anos e ganhou, na altura, mais de 23 mil contos no totoloto.
“Lembro-me desse dia porque andava a abrir uma cova para um senhor e, na lápide dele está lá essa data”, recordou. Em anos anteriores, Carlos Simões já jogava com mais 19 pessoas numa sociedade mas, por azar, desistiram da sociedade umas semanas antes de poderem vir a ser contemplados com o primeiro prémio. “Se tivéssemos continuado a jogar na sociedade, e com aquela chave, tínhamos feito um seis e o suplementar. Na altura, calhava-nos dois mil contos a cada um”, contou.
O episódio causou-lhe algum transtorno pelo que decidiu continuar a apostar na sorte grande, desta vez, sem sócios à mistura. Andou quase um ano a jogar sozinho até que chegou o dia em que foi bafejado pela sorte grande. “Tinha jogado com duas chaves de oito números e foi o senhor Zé que me viu os totolotos num café onde eu ia comer qualquer coisa, que ficava por detrás do cemitério velho, é que me disse que num deles eu tinha um seis… Depois demos um abraço”, recordou ao nosso jornal. Nesse dia ficou fora de si e, assim que pode, dirigiu-se à Papelaria Nova, em Tomar, onde tinha metido o boletim, para confirmar o que, até ali lhe parecia um sonho. “Na papelaria não me quiseram dizer nada mas mais tarde recebi um telefonema a dizer que tinha tido um seis e a perguntar se queria ir à televisão”, relatou-nos. Nessa semana o primeiro prémio foi dividido por Carlos Simões e mais cinco totalistas. “Naquele dia à noite, não tenho vergonha de dizer que chorei”, confessou.

História completa na edição do Jornal O Templário de 14/12/2006

Um computador para Antonieta

A.C. D. R. da Serra promove recolha de fundos

Sensibilizados com a história de Antonieta Monteiro, a jovem de 32 anos que sofre de esclerose múltipla e que vive isolada em casa na povoação de Hortinha, freguesia da Junceira, a Associação Cultural, Desportiva e Recreativa da Serra vai promover uma subscrição de fundos com vista à aquisição de um computador adaptado às necessidades específicas da tomarense. Os interessados em colaborar com a iniciativa podem contactar a A.C.D.R. da Serra através do telm. 918844417 (Abel Oliveira) ou e-mail a.c.d.r._serra@clix.pt

Antonieta Monteiro (na foto) sofre de uma doença incurável

Edição n.º 938

7 de dezembro de 2006

O Sorriso de Antonieta

Antonieta Monteiro sofre de esclerose múltipla

“Sinto que morri para o mundo”
É uma jovem de sorriso aberto que nos recebe à porta de casa, na Hortinha, uma povoação isolada na freguesia da Junceira, no concelho de Tomar. Aos 32 anos, Antonieta Monteiro tem uma força invulgar face à partida que a vida lhe pregou: uma doença que a vai minando progressivamente e que para a qual a ciência ainda não descobriu a cura. Apesar de sentir que “morreu para o mundo e ninguém parecer importar-se com isso” o sorriso de Antonieta dá-nos a todos uma lição.

Se existem histórias de vida que impressionam até quem está habituado a ouvir histórias todos os dias, a de Antonieta Monteiro é uma delas. “Sou uma pessoa estranha... sinto que não sou nem nunca fui como as outras pessoas”, começa-nos por avisar, antes de contar como foram os últimos 11 anos da sua vida.
Antonieta era uma jovem como todas as outras quando, aos 21 anos, tudo mudou. Estava a terminar o bacharelato em Informática na Escola Superior de Gestão de Santarém e tinha acabado de regressar de Inglaterra onde tinha participado no intercâmbio Erasmus quando surgiu o primeiro de muitos surtos que a doença provoca. “Fui perdendo a visão gradualmente até deixar de ver... depois recuperei”, contou-nos. Esclerose múltipla foi o diagnóstico inicial que depois outros surtos iriam confirmar. Mesmo assim, conseguiu no ano seguinte terminar o bacharelato. Trabalhou numa loja de informática em Tomar e chegou a dar aulas. Depois pensou em candidatar-se ao ensino. “Para ter hipóteses de entrar no ensino sabia que tinha que tirar a licenciatura e por isso, mesmo com a doença, inscrevi-me”, refere.
“Esta é uma doença incurável do foro do sistema nervoso central que nos vai destruindo gradualmente”, descreve a jovem que confessa ter, actualmente, alguma dificuldade de se concentrar. Coisa que não se nota no seu discurso fluido e simpático, onde as palavras saem sem enganos. Apesar de também confessar que ali, no lugar de Hortinha, não tem muita gente com quem falar. “Passo os dias a falar com as plantinhas mas eu costumo dizer que elas não me respondem”, conta-nos a sorrir para depois dizer o que lhe vai na alma: “As pessoas não esperam que alguém na minha situação ainda tenha humor e diga piadas mas eu costumo dizer que sou do contra.... Não sei como ainda não endoideci aqui no exílio”.
O exílio, como lhe chama é a casa dos pais onde diz estar há 810 dias. Porque Antonieta conta os dias. Os dias desde que deixou Santarém, já no último ano da licenciatura de Informática a duas cadeiras de concluir o curso. “Nos serviços de Acção Social do Instituto Politécnico de Santarém acharam que eu já lá andava há muito tempo e cortaram-me a bolsa de estudo e o alojamento. Como o dinheiro não nasce no chão, não pude estudar mais. Pensava que vinha passar um mês a casa (o mês de Agosto durante a qual a residência de estudantes está encerrada) mas acabei por ficar no exílio”, contou
Com 25 anos e depois de muitos surtos começou a depender de uma cadeira de rodas ou “veículo” como lhe prefere chamar. “A escola comprou esta cadeira de rodas monitorizada... foram espectaculares comigo”, refere.
Mas de que lhe vale ter a cadeira de rodas se, à sua volta, não há infra-estruturas adequadas, pergunta. “Eu aqui não posso sair de casa e, mesmo que saia, vou para onde?... Em Santarém ainda aterrorizava os carros (risos) quando me deslocava na cadeira de rodas mas aqui nem isso posso fazer”, diz-nos. Ali, na povoação de Hortinha, não passam carros. Ali não passam pessoas. Ali nada acontece.

Um computador para a ligar ao mundo

Quisemos saber como faz para preencher o vazio dos dias. A resposta surpreende. “Não gosto de ver televisão e tenho dificuldade em ler porque a vista treme-me muito... mas não estou o dia todo parada, na cama, como se calhar devia estar”, refere.
Da Hortinha para o mundo não existe qualquer ligação. Se tivesse um computador – que deveria ser convenientemente adaptado às suas dificuldades – talvez lhe fosse mais fácil. “Tenho saudades da informática, de mexer num computador, apesar de ter um problema com as minhas mãos que gelam tanto que às vezes não as consigo sentir”, confessa. “Teria que ter um monitor grande e talvez o rato tivesse que ser substituído por uma dragball... eu teria que o experimentar primeiro”, adianta.
Mas nem é o computador o que mais falta faz na vida de Antonieta Monteiro: “É a falta de interacção social, de conversar com as pessoas... Sinto que morri para o mundo e ninguém parece importar-se com isso”.
Actualmente, Antonieta Monteiro “sai do exílio” uma vez por mês. “Vou fazer acupunctura a Tomar. Sinto que está a dar alguns resultados”, conta. É nessa vez que sai que mata saudades do mundo. “Esse dia tem que ser muito bem aproveitado”, diz a sorrir. Pragmática, a jovem lamenta a falta de acessos para as pessoas que necessitam de uma cadeira de rodas para locomoção que existem nos vários edifícios da cidade. “Faz-me confusão que em Tomar não existam infra-estruturas adequadas aos utilizadores cadeiras de rodas. É incompreensível, por exemplo, que o espaço Internet e a biblioteca municipal – espaços que se destinam para o público, não tenham rampas para deficientes. Acho estranho como é que ninguém pensou nisso”, desabafa.
Actualmente a jovem diz que já não tem sonhos. “Não há condições para sonhar”. Antonieta é assim. Chama os bois pelos nomes. Diz que há quem não goste que ela seja assim. Mas a sua forte personalidade é algo que não consegue esconder. “As pessoas não me compreendem mas, eu mesmo assim, vou continuar a ser como sou”. E mantém o seu sorriso franco e aberto. Mesmo quando todos estivessem à espera que passasse os dias a chorar.

Edição n.º 937